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"A Ucrânia é que precisa de Moçambique agora"



Kiev aponta Maputo como novo parceiro em África. Analista diz que não são "ações diplomáticas de urgência" que vão apagar relações históricas com a Rússia. E sugere que a Ucrânia mude a forma de abordar países africanos.

A Ucrânia afirmou hoje estar a reavivar as relações com África, elencando Moçambique como um dos novos parceiros no continente. As declarações são do ministro ucraniano dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, que, por ocasião da sua visita a Maputo, em maio, já havia anunciado que a Ucrânia iria abrir em breve uma embaixada em Moçambique.

Esta parceria poderá mudar a posição de neutralidade que Moçambique tem defendido no conflito na Ucrânia? Em entrevista à DW África, o especialista em relações internacionais Rufino Sitoe lembra que as tentativas de "paternalizar" as relações históricas com a Rússia não estão a surtir efeito.

Quem precisa do apoio de Moçambique nesta altura é a Ucrânia, tanto no Conselho de Segurança da ONU, como nas suas tentativas de reduzir os espaços de influência de Moscovo, diz Sitoe.

DW África: Este anúncio pode mudar alguma coisa na posição de neutralidade que Moçambique tem defendido no conflito na Ucrânia?

Rufino Sitoe (RS): Há essa expetativa. No entanto, a forma como se está a conduzir este processo, ou pelo menos o sentido de urgência em que se está a implementar e o discurso que o acompanha, não favorece a orientação de Moçambique. Querendo ou não, Moçambique tem relações históricas com a Rússia.

Há muitos aspetos que não é fácil mudar do dia para a noite, sobretudo com este sentido de urgência que se percebe na ação da Ucrânia. Pela abordagem e pela linguagem usada, percebe-se que há uma tentativa de paternalizar essas relações, à semelhança daquilo que acontece um pouco com os países da União Europeia. Portanto, a linguagem em si já não é boa para o objetivo que se pretende alcançar, sobretudo no continente africano, onde os países estão cansados desta ideia de relações, mas já pressupondo que a Ucrânia pode dar muito a Moçambique. A Ucrânia é que está a precisar de Moçambique agora.

Rufino Sitoe: "A Ucrânia é que precisa de Moçambique agora"

DW África: Em que medida esta parceria beneficia as partes? Porque é que será mais importante para a Ucrânia do que para Moçambique, neste momento?

RS: Naturalmente, porque a Ucrânia precisa do apoio de Moçambique, tanto no Conselho de Segurança, como também sob o ponto de vista de reduzir os espaços de influência da Rússia. E estas ações diplomáticas de urgência são a revelação desta necessidade de apoio.

DW África: O que é que Kiev tem para oferecer a Moçambique que não esteja já a ser oferecido por outros parceiros? Na altura do anúncio, o Ministério dos Negócios Estrangeiros falou de investimento em infraestruturas, segurança alimentar e digitalização dos serviços públicos…

RS: É exatamente por causa desta questão - em torno de ofertas específicas que a Ucrânia tenha para Moçambique, que estejam longe daquilo que outros já estejam a oferecer de forma regular - que não é tão fácil convencer Moçambique a mudar de posição.

DW África: É possível no mundo atual, tão polarizado, manter esta imparcialidade?

RS: É muito possível, sobretudo sendo um país como a Ucrânia. Porque antes mesmo da Ucrânia aparecer, Moçambique sofreu muita pressão de países como os Estados Unidos para tomar uma posição favorável. Tivemos o périplo diplomático de vários embaixadores norte-americanos em África a tentar forçar este apoio. Mas esta pressão, que se observou mesmo a nível de alguns países da União Europeia, não tem surtido efeito.

Mas Moçambique tem uma diplomacia que, pelo menos, é clara em relação a este conflito - é pela resolução pacífica e prefere não posicionar-se favoravelmente em relação a nenhum país.

DW África: Nas declarações de hoje, Dmytro Kuleba diz querer libertar África do domínio russo, afirmando que Moscovo usa "a corrupção e o medo" para ganhar influência no continente. Como pode a Ucrânia ser um melhor parceiro para África?

RS: Eu penso que as coisas já começam erradas. Ao dizer que a Rússia usa o medo para ganhar influência, a Ucrânia está a colocar os países africanos numa posição de cobardia. Para perceber e mobilizar este apoio é preciso conhecer a natureza das relações que os Estados africanos têm com a Rússia. Isto é crucial. É preciso perceber que as relações entre a Rússia e os Estados africanos vão muito além destas influências ou da presença do grupo Wagner, e qualquer ação que seja no sentido de mobilizar apoio não pode ser no sentido de exigir a desvinculação da Rússia. Porque, estrategicamente, não há como surtir efeitos imediatos.

Eu penso que a Ucrânia deve procurar solidariedade genuína desses Estados, para que percebam os seus objetivos de luta, as suas necessidades de luta e de que forma podem engajar a Rússia de modo a tomar uma posição favorável ao fim deste conflito.

⛲ DW

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